quinta-feira, 29 de junho de 2017

Maria é toda Bela

“Maria inigualável beleza sem mancha, porque é toda bela”!
(Santo Ambrósio)
          
            “Já bem antes da aurora o Senhor veio ajudá-la e preparou, em santidade, uma morada para si”. (Ant. Liturgia das Horas). Tudo o que de formoso e belo se pode dizer de uma criatura, cantamos hoje à nossa Mãe do céu.
           
            Quase sempre, ao refletir sobre a beleza de Maria, nos deparamos na consideração de suas virtudes humanas e espirituais. Poucas vezes pensamos em sua beleza física.
            Podemos tentar imaginar a pessoa de Maria nos seguintes termos: Como a veriam seus parentes e vizinhos? Uma jovem judia, mas ligada à vontade de Deus, mas não muito diferente das outras da sua idade, e certamente não parecia capaz de obras que mudassem o curso da humanidade.
            Certamente é verdade que Deus quando pensou e criou Maria, o fez adornada das mais excelsas virtudes no humano e no espiritual, também o não se pode duvidar de por nela as mais apropriadas qualidades das belezas do corpo.
            Nós sabemos que Deus quis preparar como Mãe a mais bela das filhas de Israel. Maria a toda bela, a inteiramente bela. Nada feio habita nela. Nada! Nem em sua alma nem em seu corpo. Pelo menos aos olhos de Deus.
            O arcanjo Gabriel o disse claramente: “Encontraste graça diante de Deus”, quer dizer tu encantaste a Deus, o cativaste com a tua beleza. Uma mulher humilde, silenciosa, pura, alegre, crente, preparada para a dor e feita transbordante de amor pela misericórdia do Deus.
            Pequenas pinceladas, mas que já de per si deixam entrever, como em esboço, uma esplendida obra de arte; “todas as gerações me proclamarão bem aventurada!”        
            A beleza de Maria não pode esgotar-se em um livro, em um quadro, nem em uma escultura por geniais que sejam seus autores. É um modelo de beleza que excede o pincel ou cinzel mais dedicado de qualquer artista. Não é obra humana, mas diretamente divina, por que o “Senhor está com ela”. Nas palavras de São Luiz de Montfort: “Maria é o paraíso de Deus, seu mundo inefável... Deus criou um mundo para si mesmo e o chamou Maria”
            Só Deus pode encher uma alma de graça com expressões de Paulo VI, “o espelho nítido e sagrado da infinita beleza, o rosto divino no rosto humano, a beleza invisível em figura corpórea” Podemos presumir, e com toda razão da Mãe que temos no céu. Não é para menos. Temos de nos sentir orgulhosos de sermos de uma mãe. Não deveríamos de nos cansar de contemplá-la e admirá-la, sua beleza é inigualável. Não deveríamos cessar de cantar suas glórias. Temos de proclamá-la sempre ditosa, feliz, alegrando-nos com ela pelas maravilhas que Deus operou em seu favor.
            Com uma mãe assim, não é pouca a nossa responsabilidade de sermos seus bons filhos. Parecermos com ela, imitando-a e procurando obter as suas virtudes que ornamentaram a sua vida. Seria estupendo se pudéssemos dizer com cada um de nós: Este saiu igual à Maria... Porque é humilde, sensível, discreto, puro, alegre, crente e transbordante de amor como o foi Maria.
            No seu plano de salvação da humanidade, Deus determinou que Maria fosse escolhida como Mãe do seu Filho feito homem. Mais ainda: Deus quis que Maria se unisse não só ao nascimento humano do verbo, mas também a toda a obra da redenção que Ele faria acontecer.
            No plano salvífico de Deus, Maria está sempre unida a Jesus. Por esta escolha admirável, Maria, desde o primeiro instante de sua existência, ficou associada ao seu Filho na redenção da humanidade. Apesar de todo pecado que impede este mundo de ser um paraíso, diz Deus, o mal não vai ter a última palavra na vida humana.
            A serpente, representante do mal, vai nos ferir o calcanhar, mas a mulher, representante da humanidade, acabará lhe esmagando a cabeça. Maria é como a nova Eva, nome que parece significar vida, vitalidade, daí a expressão “mãe dos viventes” de quem nascerá uma nova descendência, que é a igreja.
            A proposta do anjo quer que Maria aceite, sem tudo entender que os caminhos misteriosos da força de Deus passem através dela. Maria sabia que o que Deus lhe pediu só poderia ser bom. “Para Deus, nada é impossível”.
            Crer no impossível de Deus é acreditar que a vida humana tem sentido porque o Espírito Santo age na história. Maria acreditou, colocou-se a serviço, e na simplicidade da sua oferta contribuiu para mudar a história.
            Por tudo isso, a maternidade de Maria ocupa na igreja, o lugar mais alto e mais próximo de nós; é o modelo perfeito da igreja, do discípulo de Jesus e de todas as virtudes, aquela a quem devemos contemplar em sua beleza inigualável no nosso esforço de seguirmos a Jesus.                                

quarta-feira, 28 de junho de 2017

A Santa Missa Parte por Parte

             A Eucaristia é “fonte e ápice de toda a vida cristã”. Os demais sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à Sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa (CIC, 1324).

            Os primeiros cristãos chamavam de Ceia do Senhor ou fração do pão. Nós a chamamos também de Eucaristia, que significa ação de graças. É, portanto, a celebração do memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, a sua Páscoa e a nossa.

Quais as passagens do NT que narram a instituição da Eucaristia?
o        1Cor 11,23-25 (mais antigo); Lc 22,19-20; Mt 26,26-28; Mc 14,22-24. João, no seu Evangelho, mostra a importância de comungar o Corpo e o Sangue do Senhor, a santa Comunhão (cap. 6).

Quem celebra a Eucaristia?

            Toda a assembléia dos batizados celebra a Ceia do Senhor, cada um de acordo com o seu ministério no seu lugar. Somos um “povo de sacerdotes, um povo eleito, uma nação santa”.


X    RITOS INICIAIS

Canto de Entrada - Dá início à celebração. Sua função é favorecer a união dos fiéis em assembléia, introduzir seu espírito no mistério do tempo litúrgico ou da festividade e acompanhar a procissão do sacerdote e dos ministros. A antífona de entrada substitui o canto.

Sinal da cruz - É a porta de entrada e saída da Missa. É composto por gestos e palavras, exprimindo que a missa é memorial daquilo que Cristo fez em sua páscoa.

Saudação - Anúncio à comunidade reunida na presença do Senhor. A saudação do sacerdote e a resposta do povo manifestam o mistério da Igreja em assembléia.

Ato Penitencial (Comunitário) - É uma sincera atitude interior de toda a assembléia que reconhece. Diante de Deus, sua pobreza e fraqueza, e apela para o amor misericordioso do Cristo, seu Senhor.

Hino de louvor - É uma solene doxologia (louvação), um hino antiquíssimo, que não deve ser substituído por nenhum outro canto. É prescrito nos domingos, festas e solenidades, omitido no advento e na quaresma. Com este hino, a Igreja, reunida no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro.

Oração da Coleta - primeira das três orações presidenciais. O padre convida o povo a orar; e todos, com o sacerdote, permanecem um momento em silêncio, para tomar consciência de estar na presença de Deus e para fazer, no próprio íntimo, sua oração pessoal. Depois o sacerdote diz a oração; por meio dela é expressa a índole da celebração, e, com as palavras do sacerdote, dirige-se a prece a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo. O povo dá seu assentimento respondendo: Amém


X    LITURGIA DA PALAVRA
Está posta a primeira mesa, a da Palavra. As leituras oferecem aos fiéis a Palavra de Deus e abrem-lhes os tesouros da Bíblia.

Primeira leitura - É quase sempre do AT (exceto na Páscoa, quando é retirada dos Atos dos Apóstolos). A leitura do AT é escolhida em função do Evangelho, formando quase sempre um par em torno de um tema (sobretudo no Tempo Comum). Ora, os dias de semana do tempo comum são divididos em ano par e ano ímpar. Assim, a cada dois anos lêem-se as passagens mais significativas de toda a Bíblia.

Salmo Responsorial - É a resposta orante da assembléia. Às vezes trata-se de um hino bíblico com função sálmica. Deve ser sempre cantado, pelo menos o refrão.

Segunda Leitura - É Sempre do Novo Testamento. No tempo comum, de maneira contínua, o lecionário traz as passagens mais significativas do NT, sem, necessariamente, estarem diretamente relacionadas com o Evangelho. Está prescrita somente para os domingos e solenidades.

Sequência - São hinos entoados em dias especialíssimos do ano litúrgico. São obrigatórias a de Páscoa e a de Pentecostes. Já a de Corpus Christi Nossa Senhora das Dores são facultativas.

Aclamação ao Evangelho - O canto é alegre e vibrante: Aleluia (exceto na quaresma). A estrofe é quase sempre um versículo da Escritura.

Evangelho - A proclamação do Evangelho é o ponto mais alto da liturgia da Palavra. As leituras dominicais são repetidas a cada três anos, de modo que se formem ciclos trienais: Ano A (Mateus); Ano B (Marcos); Ano C (Lucas). O Evangelho segundo João é reservado às festas e alguns domingos da Quaresma e do Tempo Comum. Nos dias de semana, no intervalo de um ano, lemos praticamente todo o Evangelho. Para que a Palavra nos guie no que pensamos, dizemos e fazemos, marcamos com a cruz (persignação):

v   A testa = mente
v   A boca = palavras
v   O peito = sentimentos
            Após a proclamação, o Evangelho é reverenciado com o ósculo.

Homilia - É normalmente feita pelo presidente, deve ser realizada sempre por um ministro ordenado. É muito recomendada, pois necessária para alimentar a vida cristã. Leve em conta o mistério celebrado e as necessidades particulares dos que a ouvem.

Profissão de fé - Tem por objetivo suscitar na assembléia, depois de ouvida a Palavra de Deus nas leituras e na homilia, uma resposta de assentimento, e relembrar a regra da fé, antes de se começar a liturgia eucarística. Há três formas: o Símbolo dos Apóstolos, o Símbolo Niceno-constantinopolitano e a Renovação das promessas batismais. O Credo é professado nos domingos e solenidades.

Oração da assembléia - a Palavra se faz oração. O povo eleva súplicas pela Santa Igreja, os governantes, todos os homens e a salvação do mundo.


X   LITURGIA EUCARÍSTICA

Da mesa da Palavra passamos à mesa da Eucaristia, estritamente unida à primeira. Nossa atenção concentra-se no altar.
Canto e apresentação das oferendas - Durante o canto (ou sem ele) o presidente apresenta ao Pai do Céu as ofertas do pão e do vinho, frutos da terra e do trabalho humano. Essas ofertas se tornarão Pão da vida (corpo de Cristo) e Cálice da Salvação (Sangue de Cristo). Feita a apresentação das ofertas, o celebrante principal lava as mãos, pedindo a Deus que o purifique de todos os pecados para que possa participar do santo sacrifício do altar.

Orai irmãos... - O presidente da celebração convida a assembléia a uma só oração para que Deus aceite O sacrifício que está sendo oferecido.

Oração sobre as oferendas - É a segunda oração presidencial da Missa. Em nome da assembléia que celebra, o presidente pede a Deus que aceite a oferta do seu povo fiel e santo.

Oração Eucarística - Tem início o momento central e culminante de toda a celebração, isto é, a oração eucarística, ou oração de ação de graças e de santificação.  No Brasil há 14 preces eucarísticas, entre elas:

3 para missas com crianças,
2 sobre reconciliação,
4 para diversas circunstâncias.

Cada oração eucarística possui suas próprias características. No entanto todas possuem em comum oito elementos fundamentais:

Prefácio - Inicia com um diálogo entre o presidente e a assembléia. Varia de acordo com o dia, a festa ou o tempo. O sacerdote, em nome de toda a assembléia, rende graças ao Pai por Jesus Cristo.

Santo - O prefácio termina com uma aclamação cósmica a Deus. Deveria ser sempre cantado.

Epiclese - É a invocação do Espírito Santo sobre as oferendas, a fim de que os dons oferecidos sejam consagrados, isto é, se tornem o Corpo e o Sangue de Cristo.

Narrativa da instituição e consagração - Quem preside repete os gestos e palavras do Senhor na última ceia. O sacerdote mostra ao povo o Corpo e o Sangue do Senhor. Todos adoram em silêncio. É o mistério da fé ao qual todos respondem com uma aclamação.

Anamnese (memorial) - Recordação da bem-aventurada paixão, morte e ressurreição de Cristo.

Oblação - A Igreja, de modo especial a assembléia reunida, oferece ao Pai no Espírito Santo a Vítima Imaculada, Cristo.

Intercessões - Pela Igreja (papa, bispos, presbíteros, diáconos, todo o povo de Deus), pela comunidade reunida, pelo mundo todo e pelos fiéis falecidos. Exprimem a comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como terrestre, e expressam que o sacrifício é realizado em favor de todos.

Doxologia final - Exprime a glorificação de Deus: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo...” É a conclusão da oração eucarística. É confirmada com a aclamação do povo: Amém.

       Rito da Comunhão:

Pai-nosso - Somos educados por Deus a vivermos como uma família única, com um único Pai. A oração que segue o Pai-nosso é ampliação do seu último pedido (mas livrai-nos do mal). A assembléia intervém com a doxologia: “Vosso é o reino, o poder...”.

Rito da paz - Os fiéis imploram a paz e a unidade para a Igreja e para toda a família humana, e exprimem entre si o amor mútuo, antes de participar do mesmo pão.

Fração do Pão - O presidente da celebração parte o pão, repetindo o que Jesus fez: “Tomou o pão, deu graças e o partiu...” Este gesto desde o tempo apostólico deu o nome a toda ação eucarística. Significa que nós, embora muitos, nos tornamos um só corpo na comunhão do mesmo Pão da Vida, o Cristo. O sacerdote mistura uma pequena porção da hóstia consagrada ao vinho consagrado, para sublinhar o tema da unidade: Corpo + Sangue. Nesse momento canta-se ou recita-se o “Cordeiro de Deus”, enquanto o sacerdote se prepara, com uma oração silenciosa, para receber com fruto o Corpo e Sangue de Cristo.

Convite à Ceia - O presidente mostra o Corpo do Senhor, fazendo o convite: “Felizes os convidados...” Depois, unindo-se à assembléia, responde com as palavras do oficial romano: “Senhor, eu não sou digno...” (Lc 7,6s).

Comunhão - Enquanto o sacerdote e os fiéis comungam, entoa-se o canto da comunhão, que exprime, pela unidade das vozes, a união espiritual dos comungantes. Demonstra a alegria dos corações e torna mais fraterna a procissão dos que vão receber o Corpo de Cristo. Quem o distribui diz com convicção: “O Corpo de Cristo!” Nós respondemos: “Amém!” Pode-se comungar com a mão ou com a boca.

Ação de graças - Toda a celebração Eucaristia consiste numa ação de graças, mas este é o momento oportuno para agradecer em silêncio ou com um canto de louvor. Nunca compreenderemos plenamente o que Deus fez por nós e nunca conseguiremos agradecer de modo perfeito. Por isso, de todo o coração, devemos adorar o Senhor que está agora também nos corações dos fiéis.

Oração pós-comunhão - O presidente, de pé, convida à oração dizendo: “Oremos!”. É a terceira oração presidencial, e se dirige a Deus em forma de pedido. O sacerdote implora os frutos do mistério celebrado, e o povo, pela aclamação Amém, faz a sua oração.

X RITOS FINAIS

Avisos - (quando necessário)

Bênção final - No início marcamos nosso corpo com o sinal-da-cruz e com a presença da Trindade. Na bênção final, é a própria Trindade que nos abençoa e acompanha pela vida. Em ocasiões especiais há formulários próprios de bênção solene (advento, natal, páscoa, festas...).

Despedida - O presidente da celebração (ou o diácono) despede a assembléia em paz. Todos devem voltar às suas atividades louvando e bendizendo o Senhor com suas boas obras.

sábado, 24 de junho de 2017

Os Sinais e os Símbolos na Liturgia

 A Liturgia é Ação Simbólica

A liturgia realiza-se por intermédio de ações, gestos, objetos e palavras, isto é, é um sistema de sinais e símbolos. Trata-se de um complexo de sinais por meio dos quais Deus fala e comunica sua vida por Cristo no Espírito, continuando assim seu projeto de amor. Porque só mediante sinais podemos captar e receber o dom divino, assim como corresponder a ele pessoal e comunitariamente. A história da salvação, a fé, a comunhão divina são realizadas invisíveis e precisam ser expressas. Esses sinais (palavras e gestos), estruturados em ritos, nos permitem entrever as realidades transcendentes. A linguagem própria da liturgia não é a palavra, mas o sinal.

Os símbolos religiosos sempre fazem referência ao sagrado, ao mistério como realidade transcendente, que precisa de mediações sensíveis para ser vivida e expressa, dada a natureza corporal e espiritual do homem. Os símbolos não são coisas, mas relações. Eles dependem de um processo de comunicação: da intenção e da intensidade de quem realiza o gesto, e do olhar de quem o vê, recebe, interpreta, entra em sintonia e vive. Depende do contexto cultural e – no caso da liturgia – do contexto ritual. Não preexistem à ação litúrgica. Só por meio da experiência é que conhecemos e sentimos sua eficácia.


O Simbolismo Litúrgico

A celebração litúrgica aparece como um conjunto de sinais. Os sinais são um meio de comunicação e de encontro. Foram escolhidos para comunicar o mundo interior daqueles que tomam parte na ação litúrgica, e como mediações para a experiência religiosa. Sinal é uma coisa que, além da forma própria que imprime nos sentidos, leva ao conhecimento de outra diferente de si mesma. São condições para ser “sinal”:

a)Ser distinto do significado, que está além do significante;
b)Depender de alguma forma do significado, portanto, ser menos perfeito que este;
c)Guardar alguma relação de semelhança com o significado e ser, por sua vez, dessemelhante;
d)Ser mais conhecido que o significado.

O sinal tem um sentido mais amplo e genérico que ícone, emblema, sintoma, símbolo e imagem.

Símbolo = quer dizer juntar, reunir duas coisas ou dois fragmentos de uma coisa, que unidos, permitem um conhecimento. Em todo símbolo se percebe:

a)uma realidade sensível (um ser, objeto, palavra);
b)uma relação de significado ou analogia com outra realidade superior;
c)realidade significada.

O simbolismo = É um processo que faz passar das visíveis para os invisíveis, e o resultado desse processo. Os sinais e símbolos podem ser classificados nos seguintes grupos: pessoas, atitudes corporais, gestos dos fiéis e dos ministros, elementos naturais, objetos, tempos e lugares, além dos números, figurações e alegorias.

Apresentaremos alguns elementos centrais usados na expressão ritual de nossa fé, levando em conta a sensibilidade e valor cultural. Partimos do fato atual, que é o uso no rito católico romano, dizendo sua utilização, o sentido simbólico-sacramental, onde e como encontramos na natureza e na cultura, a raiz do seu significado cristão na Escritura, com o objetivo de uni-los à vida.

1. Água (fonte, rio, poço, pia, banho, aspersão)
Na liturgia (uso e sentido simbólico-sacramental)

No Batismo: Água, sinal e portadora do Espírito Santo, que regenera e cria a vida nova em Cristo, forma a comunidade e a envia em missão;
Oração sobre a água: tanto na Vigília Pascal como no batismo, é feita esta oração, onde Deus é bendito pela água;
Aspersão com água: na vigília pascal, na celebração dominical, na dedicação ou benção de uma igreja ou altar, sobre um cadáver e o túmulo, ao enfermo e ao seu quarto, sobre pessoas e objetos numa benção etç.
Preparação da água benta: numa celebração, para ser usada nas bênçãos;
Pia de água benta: na entrada de algumas igrejas como sinal de purificação e recordação do batismo;
Lavabo: nos ritos de preparação das oferendas;
Lava-pés: na celebração vespertina da Ceia do Senhor.

Raiz Cósmica e Cultural = sentido de morte, de vida, de purificação, de participação e vida nova e de fortalecimento e proteção divina.

Na Bíblia = Águas primordiais caóticas; dilúvio; passagem do Mar Vermelho; água da rocha; passagem pelo Rio Jordão rumo à terra prometida; batismo de penitência ministrado por João Batista; batismo de Jesus; água viva prometida por Jesus; água que brotou do lado aberto de Cristo; batismo em nome de Jesus; águas do rio da vida do Apocalipse.

2. Ar (vento, brisa, janela, sopro e respiração)
Na liturgia = expulsão dos espíritos malignos com a força do Espírito de Deus e evocação da graça e presença do Espírito Santo.

Raiz Cósmica e Cultural = um dos quatro elementos cósmicos fundamentais; mescla gasosa que envolve a terra e permite que todos os seres animados respirem e vivam; responsável pela emissão do som, da palavra, do canto, do gemido, do grito de júbilo.

Na Bíblia = No princípio, o “ruah”, o sopro de Deus, movia-se sobre as águas; o “ruah” divino faz reviver os ossos ressecados; Deus fala a Elias numa brisa suave; na manhã de Páscoa, o Ressuscitado sopra sobre seus discípulos; no dia de Pentecostes, um vento impetuoso e línguas de fogo desceram sobre a multidão reunida.

3. Cruz
Na liturgia = Adoração da cruz na sexta-feira santa; cruz processional; cruz do altar; sinal da cruz (no começo das celebrações, no início do primeiro ofício do dia, sobre a testa do batizando, no sacramento da confirmação, antes da proclamação do evangelho, durante a epliclese na oração eucarística, nas bênçãos, no círio pascal e na testa dos agonizantes); benção das cruzes (entregues aos missionários, para veneração pública, para devoção pessoal).

Raiz Cósmica e cultural
Nas culturas pré-cristãs, representa a união dos opostos (em cima, em baixo; direita, esquerda); como símbolo cósmico, refere-se ao curso do sol e aos quatro pontos cardeais; no cristianismo, refere-se à morte de Jesus e à sua vitória sobre a morte. É sinal de salvação, amor, santificação, penitência e compromisso.

Na Bíblia
Para os cristãos, a morte de Jesus na cruz é sinal supremo do amor; Jesus é identificado como o servo sofredor das profecias do Dêutero-Isaías; a cruz aparece como sinal de reconciliação entre dois povos (judeus e não-judeus) e entre Deus e a humanidade.

4. Flores
Uso e sentido simbólico- sacramental na liturgia = No rito de dedicação de uma igreja, depois da unção, do uso do incenso e da iluminação, e na preparação do altar para a liturgia eucarística, deve-se enfeitar o altar com flores; a mesma coisa na dedicação de um altar. O uso de flores não é explicitamente previsto em outros livros litúrgicos, mas há referência implícita a ornamentos, como na quinta-feira santa, o Santíssimo Sacramento é transferido para uma capela devidamente enfeitada. Só que o diretório litúrgico afirma que é proibido ornamentar o altar com flores durante a Quaresma. No Advento, prescreve-se que o altar deve ser enfeitado com flores, mas com moderação.
Na prática pastoral, a ornamentação e, principalmente, as flores fazem parte de qualquer celebração, seja alegre ou triste. Vinculam-se com o amor, a vida e a morte. Como potencial celebrativo e teológico, as flores são expressão do amor esponsal, da nova aliança que une Cristo à sua Igreja, de sua vitória sobre a morte e da felicidade da vida pascal.

Raiz Cósmica e Cultural
As flores estão presentes nos momentos familiares (nascimentos, aniversários, casamentos etç) e sociais (inaugurações, homenagens etç). Elas são usadas como enfeites e como expressão de apreço, conseguindo deslocar nossa sensibilidade tocando nosso coração, nossa mente. Também nos cultos religiosos de muitas culturas, as flores têm papel fundamental como enfeite ou oferenda. Apresenta-se como expressão de fé, de esperança e de amor. E na celebração é quase um sacramental de benção e proteção.

Na Bíblia
As flores são sinal da fragilidade da vida; também de felicidade e santidade. Na vulgata dos LXX, em lugar de “broto”, nasce uma flor da raiz de Jessé (Is 11,1). No Cântico dos Cânticos (2,1-2), as flores exprimem o amor esponsal que une a comunidade eleita com seu Senhor. O encontro com o Ressuscitado se dá em um jardim, que lembra facilmente o paraíso.

5. Fogo
Uso e sentido na liturgia = Fogueira – (fogo novo), na vigília pascal, relaciona-se com a vida pascal e com a claridade da luz de Cristo; brasas – para queimar o incenso. São João Crisóstomo compara nosso coração com essas brasas, quando acesas, o incenso de louvor sobre até Deus; Círio pascal – representa Cristo ressuscitado, vencedor das trevas da morte, sol que não tem ocaso, luz que ilumina o mundo.
Outras velas: o povo acende a vela no círio, como sinal de iluminação para o batizado; velas acesas em todas as celebrações, sinal da presença de Cristo; na consagração das virgens, como sinal de vigilância vivida na espera do noivo-esposo; Menorah, candelabro judaico de sete braços que recordam os olhos do Senhor que percorrem toda a terra (Zc 4, 2-5, 10).
Luz do Sol: elemento simbólico básico da liturgia das Horas, relacionado com a morte e ressurreição de Jesus, seja no espaço matutino, seja no vespertino. Natal: simboliza o Cristo, sol da justiça o sol sem ocaso. A lâmpada acesa diante da reserva eucarística é sinal de presença, oração e adoração.

Raiz Cósmica e Cultural
Com sentido de vida: a chama que palpita sinal de vida. Onde não há luz, a vida corre perigo. Em muitas tradições religiosas, a luz é atributo da divindade. Para que os mortos encontrem o caminho é necessário acender velas. Com sentido de destruição: transformação, purificação, espiritualização. O fogo devora, queima, reduz a cinzas. Por seu poder purificar, aparece nos ritos de penitência. Com sentido de paixão: representa o amor, o fervor, a dedicação oblativa e sacrificada.

Na Bíblia       
Criação da luz (Gn 1,3); luz como felicidade (Jó 29,3; Sl 4,7; 89,16); como sinônimo de salvação e proteção (Sl 27,1 Mq 7,8); como sabedoria de Deus (BR 4,2; Sb 7,10; Sl 119, 105; Dt 2,22; Is 2,5); como vida (Jó 33,30; Sl 36,10). Jesus é a luz do mundo. Devemos caminhar em sua luz, como filhos da luz. Vigilantes, devemos levar óleo suficiente para permanecer com as lâmpadas acesas. O fogo representa a transcendência e a santidade divinas: sarça ardente; coluna de fogo; no Monte Sinai Ele desce em meio ao fogo; o carro de fogo que levou Elias; o batismo no Espírito Santo e no fogo; línguas de fogo em Pentecostes.

6. Incenso
Na liturgia = Queimam incenso em ato de adoração e de oferenda, é símbolo da oração que se eleva ao céu. Incensar os objetos durante a celebração indica respeito, homenagem, sobretudo, porque vemos neles uma referência à pessoa de Jesus. O perfume recorda “o bom odor de Cristo” (2 Cor 2, 14-17). Usa-se o incenso nas festas (onde se incensa a cruz, o altar, o livro dos evangelhos, o presidente, a assembléia, as oferendas, o pão e vinho consagrados); na Liturgia das Horas (durante o cântico evangélico); nas exéquias; queima-se incenso sobre o altar quando se dedica (o braseiro); e em algumas bênçãos.

Raiz Cósmica e Cultural
Queimar incenso é um costume ritual presente em muitas festas culturais. Ele é apreciado tanto pela fumaça que se eleva aos céus, morada divina, como pelo odor agradável que atrai e agrada a divindade. Até cerca do final do século IV, não encontramos o uso do incenso na liturgia cristã, talvez para não se assemelhar ao culto prestado ao imperador romano. É queimado em turíbulo, mas se encontra em varetas e é usado em sentido religioso, ou simplesmente para perfumar o ambiente.

Na Bíblia
Queimar incenso é um louvor de agradável odor ao Senhor, um gesto de expiação, oração e adoração: Nm 17,12; Sb 18,21; Sl 141,2; Ml 1,11; Ap 5,8. O incenso deve ser preparado com muito cuidado (Ex 30,34-48) para ser oferecido como adoração durante a manhã e à tarde (Ex 30,7ss).


7. Mãos (imposição)
Na liturgia (uso e sentido simbólico-sacramental)
O gesto de imposição das mãos sempre se relaciona com a invocação e a transmissão do Espírito Santo:

Como exorcismo = invocação ao Espírito Santo que liberta do mal;
Como transmissão do Espírito Santo = aos batizados no sacramento da confirmação, simultaneamente com a unção na testa;
Como transmissão do Espírito Santo na ordenação =  para o ministério diaconal ou sacerdotal;
Como santificação = (oração eucarística);
Como absolvição = no sacramento da reconciliação;
Como invocação = na presença consoladora do Espírito Santo na unção dos enfermos.
Como bênção =  dada aos catecúmenos por um sacerdote, diácono ou catequista; nas bênçãos solenes ou orações sobre todas as pessoas presentes; na celebração do matrimônio, na benção nupcial.


Raiz Cósmica Cultural (vida diária e tradição religiosa)
A imposição das mãos acha-se entre os ritos religiosos de muitas culturas, como transmissão de poder e cura, como bênção e proteção, nos cultos mistérios a aparecer como rito de iniciação.

Na Bíblia
Sinal de bênçãos: Gn 48, 13-22; Mc 10,14; sinal de transmissão do mal ou do pecado: Lv 16, 21; 1,4; 3,2; 4, 4; sinal de transmissão do poder e da autoridade: Nm 27, 15-23; sinal conferido pelo Espírito Santo para a vida cristã ou para o ministério: At 6, 1-6; 8, 15-17; 13, 2-3; 19, 1-7; 1 Tm 4,14; 2 Tm 1,6; sinal de cura: At 28,8.

8. Óleo (azeite, unção, bálsamo e perfume)
Na liturgia
Missa de crisma = na quinta-feira santa é consagrada (uma mistura de azeite, bálsamo e perfume) e a benção do óleo dos catecúmenos e dos enfermos; o santo Crisma é o óleo mais importante da liturgia, pois simboliza o Espírito Santo;
Unção Pós-Bastimal = na cabeça das crianças e dos adultos batizados;
Unção com Crisma = na testa para o sacramento da confirmação;
Unção na palma das mãos =  do presbítero ordenado (como rito complementar da ordenação presbiteral);
Unção na cabeça = do Bispo para o episcopado;
Unção do altar e das paredes da igreja = em sua dedicação (a unção da igreja significa que ela se entrega para sempre sendo consagrada para o culto cristão;
O óleo dos catecúmenos = indica a força na luta da vida cristã;
O óleo dos enfermos = é usado na unção destes por parte do presbítero.

Raiz Cósmica Cultural
Uso do óleo como alimento, lubrificante e iluminação. Dá beleza, brilho e suavidade à pele protegendo-a do sol. Ao misturar as essências o óleo transforma-se em perfume e realça o aspecto prazeroso da vida.

Na Bíblia
Símbolo do Espírito Santo como consagração (de profetas, reis, sacerdotes e altares); como benção espiritual que atrai a prosperidade e a abundância; como cura; como sinal de hospitalidade; Cristo o ungido por excelência; somos ungidos por seu Espírito.

9. Pão e vinho
Na liturgia = São os principais gestos realizados com pão e vinho: trazer, bendizer e partir:
Trazer: o pão e o vinho simbolizam toda a vida do ser humano e do mundo;
Bendizer: pronunciar a benção (a oração eucarística indica o sentido profundo do que fazemos com o pão e o vinho);
Partir: comer e beber; o pão conota subsistência, força para o caminho, repartição; o vinho traz a festa, a alegria, provoca sóbria embriaguês do Espírito Santo; ao comermos e juntos, nos tornamos um só corpo com Ele.

Raiz Cósmica e Cultural
Refeições diárias, indispensáveis à vida; comemorações e ceias festivas que realçam a amizade, gosto pela convivência fraterna; refeições que realizam a comunhão com a divindade e o êxtase da proximidade de Deus.

Na Bíblia
Sobre o pão: a refeição servida por Abraão aos três hóspedes sob o carvalho de Mambré; a ceia pascal judaica – memória da libertação da escravidão do Egito; as inúmeras refeições de Jesus com seus discípulos ou como convidado em alguma casa ou festa; a última ceia; as refeições com o Ressuscitado; a fração do pão; as celebrações eucarísticas nas casas das primeiras comunidades cristãs.
Sobre o vinho: “meu amado tinha uma vinha” (Sl 116,13); “erguei o cálice da minha salvação” (Jo 18,11); “o cálice que meu Pai me deu, acaso não vou beber dele” (Mt 20,22); “podem beber do cálice que vou beber” (Lc 22,42); “Pai afasta de mim este cálice”.


10. Terra
Na liturgia
Nas exéquias: uma celebração litúrgica acompanha o enterro ou a cremação do cadáver; uma oração acompanha a descida do corpo a terra; a terra é a última morada antes da ressurreição dos mortos.
Benção e imposição das cinzas no começo da Quaresma (quarta-feira de cinzas): Ao aceitarmos a imposição das cinzas expressamos duas realidades fundamentais: somos mortais e devemos tomar consciência da nossa fragilidade; somos chamados a converter-nos ao evangelho de Jesus e assumir a sua proposta do Reino.
Na consagração monástica: o monge ou a monja prostra-se no chão antes de emitir sua profissão. O mesmo acontece com o eleito em ordenação diaconal, presbiteral ou episcopal (este gesto expressa morte, submissão e entrega).

Raiz Cósmica Cultural
Terra – terra mãe: especialmente nas culturas agrárias que gera e alimenta a própria vida humana. Todas nós cultivamos uma relação mística com nossa terra natal. No mundo inteiro há lugares sagrados – terras santas – em que as pessoas sentem-se ligadas à sua origem.
Cinzas é fogo apagado: o que restou de uma vida; sinal de fragilidade, transitoriedade, sobretudo, da vida humana; sinal de penitência, conversão e luto.
Na Bíblia
Terra: Deus criou o céu e a terra; moldou com o barro todos os seres vivos, até o ser humano. Adão pode significar “feito de barro”, terreno.
Cinzas: como sinal de purificação (Nm 19; Hb 9, 13ss); transitoriedade (Gn 18,27, Jô 30,19); de luto (2 Sm 13,19; Sl 102,10; Ap 18,19); sinal de penitência (Dn 9,3; Mt 11,21).





Referências Bibliográficas:

Manual de liturgia 2 – A celebração do mistério pascal: fundamentos e elementos constitutivos / CELAM – São Paulo: Paulus, 2005.

MARTÍN, Julián López. A liturgia da Igreja: teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

A Santíssima Trindade


Primeiramente, cabe contar uma pequena história que nos ajudará a entender a posterior explicação.

Conta-se que Santo Agostinho andava em uma praia meditando sobre o mistério da Santíssima Trindade: um Deus em três pessoas distintas...

Enquanto caminhava, observou um menino que portava uma pequena tigela com água. A criança ia até o mar, trazia a água e derramava dentro de um pequeno buraco que havia feito. Após ver repetidas vezes o menino fazer a mesma coisa, resolveu interrogá-lo sobre o que pretendia. O menino, olhando-o, respondeu com simplicidade: -"estou querendo colocar a água do mar neste buraco". Santo Agostinho sorriu e respondeu-lhe: -"mas você não percebe que é impossível?".

Então, novamente olhando para Santo Agostinho, o menino respondeu-lhe: "ora, é mais fácil a água do mar caber nesse pequeno buraco do que o mistério da Santíssima Trindade ser entendido por um homem!". E continuou: "Quem fita o sol, deslumbra-se e quem persistisse em fitá-lo, cegaria. Assim sucede com os mistérios da religião: quem pretende compreendê-los deslumbra-se e quem se obstinasse em os perscrutar perderia totalmente a fé" (Sto. Agost).

Só poderíamos compreender perfeitamente a Santíssima Trindade se nós fossemos 'deus'. Podemos, contudo, por meio da razão iluminada pela fé, chegar a um conhecimento muito útil dos mistérios, considerando certas analogias da natureza. Citemos algumas: o raio branco de luz, sendo apenas um, pode ser decomposto em vermelho, amarelo e azul; a ametista brilha de três cores diferentes, segundo o lado em que se observa: é purpúrea, violeta e rósea, sem ser mais do que uma pedra. O fogo queima, ilumina e aquece, sendo apenas fogo, etc.

Bem, a Santíssima Trindade é superior à capacidade humana de entendimento, mas não contraria a razão. Dizer que existe "um Deus em três pessoas" é superior à capacidade de compreensão humana, mas não é o mesmo que dizer que é "um Deus em três deuses", que seria contrariar a razão humana. Ou seja, o mistério é conhecido, mas não é compreendido em sua totalidade. Sabendo disso, a Igreja aconselha muita cautela na busca de conhecer certos mistérios superiores à nossa compreensão, conforme ensina o Catecismo Romano, transcrevendo a Bíblia: "Quem quer sondar a majestade, será oprimido pelo peso de sua glória" (Prov. 25, 27).

O Conhecimento através da Revelação

Portanto, a Santíssima Trindade só é conhecida através da Revelação, através das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, que era Deus e Homem verdadeiro. Disse Nosso Senhor: "Ensinai todas as gentes, e batizai-as em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28, 19). Na sua última prece, o Salvador pede que seus discípulos sejam um como seu Pai e Ele não são mais que um (S. Jo., 17, 21). Também afirma: "Meu Pai e eu somos um" (Jo., 10, 30), deixando clara a unidade de natureza entre o Pai e o Filho.

Em diversas passagens, os apóstolos reconhecem Nosso Senhor como "Filho de Deus", que prometeu enviar o "Espírito Santo" sobre eles, que ressuscitou dos mortos ao terceiro dia pelo seu próprio poder, etc. Na promessa de enviar o Espírito Santo, Nosso Senhor, antes de se elevar ao Céu, anunciou aos Apóstolos que o Pai lhes enviará o Espírito Santo, que os ensinaria e os fortaleceria na fé: "Rogarei a meu Pai e Ele vos mandará outro consolador" (Jo 14, 16, 26), "o espírito da verdade" que "vos ensinará tudo" (Jo, 14, 26). Ora, como não há ninguém senão Deus (a verdade), capaz de ensinar tudo, resulta dessas palavras que tal consolador é Deus, como o Pai e o o Filho que hão de mandá-lo. S. Pedro repreende Ananias que procurou iludir o Espírito Santo, e acusa-o de ter assim mentido a "Deus", não aos homens (Act. 4, 5, 11) Na mesma passagem sobre o Espírito Santo, fica claro que as pessoas são distintas: O Pai que envia, o Filho que roga ao Pai, o Espírito Santo que será enviado.

Em II Cor, 13, 13 está escrito: "Estejam com todos vós a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo"!. No "batismo" de Nosso Senhor, ao sair da água, os céus se abriram e o "Espírito, como uma pomba", desceu sobre Nosso Senhor e uma voz "veio dos Céus: "Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo".

Em São Mateus, lemos: "Só o Pai conhece o Filho e o Filho conhece o Pai"(Mt 11, 27; Lc. 10, 22). Em S. João, está que o Espírito Santo "procede do Pai", que é "enviado pelo Filho" (Jo 15, 26; 16, 7). Respondendo a Felipe, que lhe havia pedido para ver o Pai: "Filipe, quem me viu, viu também o Pai. Como é que dizes: Mostra-nos o Pai? Então não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim" (Jo, 14, 9 e 10).

O mesmo que Jesus Cristo explica da sua união com o Pai, afirma-o igualmente do Espírito Santo. "Quando tiver vindo o Consolador que eu vos mandarei de junto de meu Pai, o Espírito de verdade que procede do Pai, Ele dará testemunho de mim" (Jo, 15, 26). Ora, o que procede de Deus tem, forçosamente, natureza idêntica à de Deus.

Dessa forma, fica clara a distinção de três pessoas em um só Deus, ou seja, três pessoas de mesma natureza, poder e glória. Já no Antigo Testamento a Trindade estava implícita. Citemos algumas passagens: Os sacerdotes judeus deviam, ao abençoar o povo, invocar três vezes o nome de Deus (Num. 6, 23). Isaías diz-nos (6, 3) que os Serafins cantam nos céus: Santo, santo, santo é o Deus dos exércitos. Notemos sobretudo o estranho plural empregado por Deus na criação do homem: "façamos o homem à nossa imagem e semelhança"(Gen. 1, 26). No momento da confusão de Babel: "Vinde, diz o Senhor, confundamos a sua linguagem" (Gen. 11, 7). Por que esse plural? Já, depois da culpa de Adão, o mesmo livro sagrado representa Deus dizendo ironicamente: "Portanto eis Adão que se tornou com um de nós, vamos agora impedir-lhe que levante a mão à árvore da vida"(Gen. 3, 22). E David escrevia no Salmo CIX: "Disse o Senhor ao meu Senhor: assenta-te à minha direita".

Encontram-se, no Antigo Testamento, duas expressões para designar a divindade: uma é "Jehováh", outra é "Eloim". Pelo parecer de todos os hebraizantes, a primeira se aplica ao mesmo ser de Deus, à sua suprema essência: está sempre no singular. A segunda exprime a idéia da presença de Deus e do seu poder: vem sempre no plural e significa "os deuses"; mas, o que não deixa de surpreender é que esta palavra sempre no plural, rege sempre no singular o verbo que a segue. Assim o primeiro versículo da Bíblia traduzir-se-ia literalmente: "No princípio, "os deuses" fez o céu e a terra". Os sábios não duvidam em ver, nesta palavra "Eloim" e no modo de se usar dela, uma expressão que deixa entender a existência de várias pessoas em Deus.

Na Tradição da Igreja encontramos várias provas da Santíssima Trindade.

a) Testemunho dos Mártires. Era para confessar a sua fé na divindade das três pessoas e particularmente em Nosso Senhor, que numerosos mártires sofriam os suplícios mais cruéis. Assim, para citarmos um exemplo apenas, S. Policarpo (166), discípulo de S. João, exclamava em frente da fogueira acesa: "Eu vos glorifico em todas as coisas, a vós, ó meu Deus, com vosso eterno e divino Filho, Jesus Cristo, a quem, com o Espírito Santo, seja honra, agora e para sempre".

b) Testemunho dos Padres da Igreja. Nos escritos de certos Padres, encontram-se testemunhos valiosíssimos desta nossa crença. Santo Inácio de Antioquia fala do Pai, do Filho e do Espírito Santo como sendo três pessoas às quais devemos respeito igual. Santo Irineu diz que "a Igreja, espalhada pelos Apóstolos até os confins do universo, crê em Deus Pai todo-poderoso, em Jesus Cristo, seu Filho, encarnado por nossa salvação e no Espírito Santo que falou pelos profetas". Claríssimas são, também, na sua conclusão, as palavras de Tertuliano: "O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito-Santo é Deus e Deus é cada um deles".

c) Prática da Igreja. De acordo com sua crença, a Igreja sempre administrou o batismo em nome das três pessoas. Ocupa o primeiro lugar na liturgia, o mistério da Santíssima Trindade. Dela fazem menção todas as bênçãos, todas as orações, todas as cerimônias, quer por meio do sinal da cruz, quer pela dexologia: "Glória ao Pai ao Filho e ao Espírito Santo". Ademais, sem a divindade de Nosso Senhor, não haveria a redenção, que consiste na crucifixão e morte de Nosso Senhor sobre a Cruz. Se Cristo não fosse Deus, o "pecado original" e os nossos "pecados atuais" não poderiam ter sido remidos, visto terem um valor infinito (pois foram praticados contra Deus, que é infinito) e precisarem de um ser infinito para os expiar.

Uma  pequena explicação filosófica

Para dar uma explicação mais simples, sendo Deus onipotente e sendo o existir próprio à eternidade de Deus e à sua natureza: "Eu sou aquele que é", a imagem que Deus tem de si mesmo é o seu Filho, o verbo de Deus. A este pensamento vivo em que Deus se expressa perfeitamente a si mesmo chamamos Deus Filho. Deus Pai é Deus conhecendo-se a si mesmo; Deus filho é a expressão do conhecimento que Deus tem de si. Assim, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade é chamada Filho, precisamente porque é gerada desde toda a eternidade, engendrada na mente divina do Pai. Também a chamamos Verbo de Deus, porque é a "palavra mental" em que a mente divina expressa o pensamento sobre Si mesmo.

Depois, Deus Pai (Deus conhecendo-se a Si mesmo) e Deus Filho (o conhecimento de Deus sobre Si mesmo) contemplam a natureza que ambos possuem em comum. Ao verem-se (falamos, naturalmente, em termos humanos), contemplam nessa natureza tudo o que é belo e bom - quer dizer, tudo o que produz amor - em grau infinito. E assim, a vontade divina origina um ato de amor infinito para com a bondade e a beleza divinas. Uma vez que o amor de Deus por Si mesmo, tal como o conhecimento de Deus sobre Si mesmo, é da própria natureza divina, tem que ser um amor vivo. Este amor, infinitamente intenso, que eternamente flui do Pai e do Filho, é o que chamamos Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho. É a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Para deixar mais claro o assunto, ainda é necessário fazer uma distinção entre a pessoa (personalidade), e a natureza (que em Deus se confunde com a e essência e a substância).

O Mistério da Santíssima Trindade consiste propriamente no fato de uma essência ou natureza única que subsiste em três pessoas. Pessoa é a substância completa dotada de razão individual e autônoma. Na verdade, possuem todos os homens a mesma natureza: todos têm corpo e alma racional. Entretanto, esta natureza comum existe em cada um deles de modo diferente. Ora, o que distingue um homem de outro homem, o que cada um tem de especial, é que constitui sua autonomia, seu "eu" e chama-se "personalidade", a "pessoa". Desta forma, Deus Filho tinha a mesma natureza de Deus Pai, mas não era a mesma Pessoa.

Uma explicação mais acessível

Suponha que você se olha em um espelho de corpo inteiro. Você vê uma imagem perfeita de si mesmo, com uma exceção: não é senão um reflexo no espelho. Mas se a imagem saísse dele e se pusesse ao seu lado, viva e palpitante como você, então sim, seria a sua imagem perfeita. Porém, não haveria dois 'vocês', mas um só 'você', uma natureza humana. Haveria duas 'pessoas', mas só uma mente e uma vontade, compartilhando o mesmo conhecimento e os mesmos pensamentos.
Depois, já que o amor de si (o amor de si bom) é natural em todo ser inteligente, haveria uma corrente de amor ardente e mútuo entre você e a sua imagem. Agora, dê asas à sua fantasia e pense na existência desse amor como uma parte tão de você mesmo, tão profundamente enraizado na sua própria natureza, que chegasse a ser uma reprodução viva e palpitante de você mesmo. Este amor seria uma 'terceira pessoa' (mas, mesmo assim, nada mais que um 'você', lembre-se; uma só natureza humana), uma terceira pessoa que estaria entre você e a sua imagem, e os três, de mãos dadas: três pessoas numa só natureza humana.
Esse exemplo, muito imperfeito, pode nos ajudar um pouco a entender a relação entre as três Pessoas da Santíssima Trindade: Deus Pai "olhando-se" a Si mesmo em sua mente divina (criadora) e mostrando ali a Imagem de Si, tão infinitamente perfeita que é uma imagem viva: Deus Filho; e Deus Pai e Deus Filho amando como amor vivo a natureza divina que ambos possuem em comum: Deus Espírito Santo. Três pessoas divinas, uma natureza divina.
É claro, é só um exemplo, muito imperfeito, mas que nos ajuda a compreender o grande mistério que é a Santíssima Trindade, base de nossa Fé, fundamento de nossa Redenção, sustentáculo de nossas vidas e no qual, todos os dias, através do sinal da Cruz, nós afirmamos a nossa fé: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Extraído, com adaptações, de vários livros.
FONTE: http://www.lepanto.com.br/dados/ApSSTr.html